quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Anatomia do Amor


Com a calma de um tornado, dou um passo em direcção ao infinito. Cada dia uma monção evitada pela persistência de uma doença chamada esperança no amor.
Os seus sintomas são meus companheiros de viagem – o êxtase do sistema nervoso, o furor do sistema cardíaco, a deliciosa náusea do sistema digestivo, o total desarme do sistema imunitário e as sinapses molhadas do sistema reprodutivo.
Esta é a parte favorável que nos provoca o júbilo e acentua a crença na concretização da doença.
No entanto, tal como outras doenças, a esperança tem sempre sintomas positivos antes de atingir o seu pico nefasto.
Este pico tem como principais características a paragem respiratória, a ruína e/ou compressão do sistema cardíaco, a secura ocular que provoca a incessante abertura das vias lacrimais. Também um aumento das sinapses cerebrais que levam à elaboração de causas tanto plausíveis como ridículas para o evento que provocou o despoletar da doença, ou do pico per se; assim como o colapso do sistema nervoso, um total desapego pelo sistema imunitário e, consoante o ataque, a fúria por preencher ou esvaziar o sistema digestivo.
Para tais sintomas desta doença seria de esperar que o indivíduo, cuja doença assolou, rapidamente tomasse as precauções necessárias para se livrar de tal surto.
Com um simples comprimido supressor das endorfinas que causam o malfadado amor, uma boa dose de razão e sapiência por IV, bem como um supositório-promessa de se “deixar disso” facilmente eliminava todas as consequências desta dolorosa doença e todos os sistemas humanos voltariam ao seu normal funcionamento.
Contudo, a esperança no amor é de tal forma assombrosa que pode tornar-se crónica e cíclica, como é o meu caso (se bem que ultimamente tenho sentido apenas o efeito do seu pior ciclo, e não há comprimido, IV ou supositório que me faça regressar ao estado normal de existência).
Permaneço, portanto, com a calma inconformada de quem já aceitou o seu destino e as implicações deste estado.
Sabendo que a cada passo caminho na direcção de um terramoto privado, que estremece e controla toda a razão e todo o meu ser; seguido, obviamente, por um dilúvio provocado essencialmente pela força das lágrimas que me assolam.
É fácil caminhar quando já sabemos o que nos espera… apesar de a esperança, que reside no âmago desta doença, não ser a de esperar por uma dor avassaladora, mas a de o amor resultar como nos contos de fada.
Como diria um qualquer sábio do séc. XX, “O príncipe encantado não existe. A Cinderela já o encontrou!”.

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